terça-feira, 14 de junho de 2011

Pessoas Habitadas!

Estava
conversando com uma amiga, dia desses. Ela comentava sobre uma terceira
pessoa, que eu não conhecia. Descreveu-a como sendo boa gente,
esforçada, ótimo caráter. "Só tem um probleminha: não é habitada".
Rimos. É uma expressão coloquial na França — habité — mas nunca tinha
escutado por estas paragens e com este sentido. Lembrei-me de uma outra
amiga que, de forma parecida, também costuma dizer "aquela ali tem gente
em casa" quando se refere a pessoas que fazem diferença.



Uma
pessoa pode ser altamente confiável, gentil, carinhosa, simpática, mas
se não é habitada, rapidinho coloca os outros pra dormir. Uma pessoa
habitada é uma pessoa possuída, não necessariamente pelo demo, ainda que
satanás esteja longe de ser má referência. Clarice Lispector certa vez
escreveu uma carta a Fernando Sabino dizendo que faltava demônio em
Berna, onde morava na ocasião. A Suíça, de fato, é um país de contos de
fada onde tudo funciona, onde todos são belos, onde a vida parece uma
pintura, um rótulo de chocolate. Mas falta uma ebulição que a salve do
marasmo.




Retornando
ao assunto: pessoas habitadas são aquelas possuídas, de fato, por si
mesmas, em diversas versões. Os habitados estão preenchidos de
indagações, angústias, incertezas, mas não são menos felizes por causa
disso. Não transformam suas "inadequações" em doença, mas em força e
curiosidade. Não recuam diante de encruzilhadas, não se amedrontam com
transgressões, não adotam as opiniões dos outros para facilitar o
diálogo. São pessoas que surpreendem com um gesto ou uma fala fora do
script, sem nenhuma disposição para serem bonecos de ventríloquos. Ao
contrário, encantam pela verdade pessoal que defendem. Além disso,
mantêm com a solidão uma relação mais do que cordial.




Então
são as criaturas mais incríveis do universo? Não necessariamente. Entre
os habitados há de tudo, gente fenomenal e também assassinos,
pervertidos e demais malucos que não merecem abrandamento de pena pelo
fato de serem, em certos aspectos, bastante interessantes. Interessam,
mas assustam. Interessam, mas causam dano. Eu não gostaria de repartir a
mesa de um restaurante com Hannibal Lecter, "The Cannibal", ainda que
eu não tenha dúvida de que o personagem imortalizado por Anthony Hopkins
renderia um papo mais estimulante do que uma conversa com, sei lá,
Britney Spears, que só tem gente em casa porque está grávida.


Que
tenhamos a sorte de esbarrar com seres habitados e ao mesmo tempo
inofensivos, cujo único mal que possam fazer é nos fascinar e nos manter
acordados uma madrugada inteira. Ou a vida inteira, o que é melhor
ainda.

Martha Medeiros

"
houve um tempo em que eu temia certo tipo de gente, aqueles que estavam sempre a postos para apontar minhas fraquezas. Hoje revejo essas pessoas, e a sensação que me causam não é nem um pouco desconfortavel..[...]Alguem que era grande no meu passado fica pequeno no meu presente"
(Martha Medeiros)

Nenhum comentário:

Postar um comentário